sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Analistas & Analistas

A Democracia está em voga em África e em Moçambique em particular. É Democracia do político que a canta por uma sociedade mais justa e de justiça popular, dos jornalistas que a celebram dos escritos da verdades aos das mais arrepiantes “mentícias”, dos homens da cultura que pensam ser esta a permissa básica para o reconhecimento dos seus direitos, dos estudantes que clamam por maior espaço de acção dentro da sala, dos soldados e mancebos que se rebelam nos quartéis porque certos de que lhes assistem direitos, enfim, uma série de situações, que quando questionadas, só a Democracia as justifica e ainda bem que assim sucede.

A democracia, é assim vista como governo das liberdades e onde, a de expressão mais se acentua. De facto, “A liberdade de expressão, sobretudo sobre política e questões públicas é o suporte vital de qualquer democracia, Sendo que os governos democráticos não controlam o conteúdo da maior parte dos discursos escritos ou verbais, o que faz com que se abra um espaço amplo de debate, onde muitas vozes exprimem idéias e opiniões diferentes e até contrárias”.


Tenho acompanhado de alguns círculos, o debate sobre os analistas que a ritmo crescente tem despontado na sociedade moçambicana. Na verdade, este debate não é só de Moçambique, mas dos demais paises, que de dia para noite vêm-se invadidos por uma série de comentadores (analistas) de quase tudo. Aliás, se olharmos para as televisões e um pouco por todo mundo, damo-nos conta de que conteúdos culturais e históricos são a cada dia afastados em nome dos debates,que naturalmente devem ser alimentados por diversos analistas.


Defendem estes círculos, que a proliferação de analistas, tem baixado sobremaneira, a qualidade de debate.


Penso eu, que os que nos chamam atenção para este debate, levantam um falso problema, pois, colocam o número de analistas como problema, quando o verdadeiro problema reside na qualidade de análise.


E ademais, mesmo que defendessem que o problema está na qualidade de análise; ao chamarem-nos atenção para a quantidade e qualidade, devemos entender, que estes nos pretendem passar alguma mensagem.


Uma mensagem que pode ser de desqualificação dos outros e/ou a rejeição intelectual do que o outro diz; como se aquele não tivesse autoridade para dizer seja o que for e/ou mesmo, de preocupação pela qualidade de debate.


Quero acreditar, que é a preocupação da qualidade de debate, que faz levantar estas vozes, mas, sobre esta, estes, nada devem temer, porque o cidadão tem também as suas ferramentas de análise, que o permitem, olhar sob o mesmíssimo prisma; classificando, onde reside a qualidade.


O que acho verdadeira “aberração” no debate de ideias por parte de alguns analistas, é o não respeito ao princípio de especialidade, onde, um engenheiro químico, discute e com certezas absolutas leis com um jurista.


Ora, nem que o químico, não reconheça autoridade no jurista ao lado, deve levar em conta, que se tivéssemos que presumir a veracidade da opinião emitida, o pensamento do jurista e se for matéria jurídica em discussão, se presume certa, nem que a do agrónomo se revele certa.


Isto sucede, em respeito ao princípio da especialidade, que recomenda que cada um seja autoridade na sua área, cabendo assim, e quando a verdade esteja subvertida que sejam os pares a contradizerem.


O que se assiste no nosso país é uma vaga de contestação sobre esta tendéncia crescente de analistas, como se, ao levantarem algumas ideias torpes nos debates que participam pudessem contaminar a lucidez dos analistas gurus.


A não ser que incomode que alguns analistas, sejam filhos de operários e camponeses, (quando a pergunta que nos ressalta com facilidade quando alguém se predispõe a discutir ideias conosco é a de que: quem é este? Ou melhor quem és tu?), não vejo porque cargas de água se desqualifica a quem quer opinar e somente, porque mesmo quando a opinião tenha valor somente no círculo familiar daquele, não deixa de ser opinião e a respeitar.


A não ser que existam neste pais, entes autorizados e dizer ciência como que de alguma pedagogia divina se tratasse. A não ser que exista uma casta de pensadores e macrocéfalos, que possuem o monopólio da verdade.


E não existe, nem um nem outro, repito, não existe. Não vamos matar a livre opinião sob pressupostos falsos ou egoísticos, porque sinceramente, se quisermos descobrir a obra dos que sempre se consideram e foram ao longo dos tempos considerados os analistas mor talvez nada se encontre, como eles alegam que nada se encontra hoje.


Deixemos que cada um descubra na palavra dita, o pensamento. Que descubra, acima de tudo, alguma verdade, e, nem que a mesma não nos agrade é preciso buscá-la e rebaté-la com argumentos válidos em vez de desuqlificá-la, como se Deus estivesse a falar. 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

PoLiTiCaNdO: Os Nossos Compatriotas Zangados (4) A INDEPENDÊNCIA

Não podemos interromper esta série inicia aqui, aqui e retomada deste lado. Vai o 4º número da série.

Os nossos compatriotas zangados (4) – A independência
Por E. Macamo


Sinto-me um pouco mal por ter de recorrer sempre à fértil e poética imaginação de Fernando Couto para organizar as minhas próprias ideias em relação a um tema tão desagradável como o dos nossos compatriotas zangados. Continuo a rezar para que ele seja condescendente. Imagino os nossos compatriotas todos revoltados contra o abuso da imaginação de outrém para os meus fins obscuros. Escusado será dizer que o pobre poeta não tem nada a ver com o uso que faço da sua criatividade. Já que a minha própria criatividade é limitada, sirvo-me da sua para respirar de novo o país, sentir o seu cheiro e sabor na expressividade do seu verbo. Sim, o uso que faço é profano. Mas seria possível outro uso depois de tanta excelência? Leiam comigo o seguinte poema e interroguem-se se o comentário ainda pode ser ao mesmo nível de sacralidade. O poema chama-se “Asa”. Cá vamos nós: Irreprimível fascínio da asa:/tanto que a demos aos anjos! Que mais ainda se pode dizer aqui?

Gostaria tanto de poder escrever tão vigoroso, conciso e expressivo poema como este, mas sobre o Jornal Notícias. Sim, sobre o jornal Notícias. Algo como: Irreprimível dependência do Notícias:/tanto que só pode ser mentira! Estão a ver? Não dá. Não é o mesmo efeito. Não é a mesma pujança expressiva. Ou sobre o seu director: Irreprimível perserverança do Sitoi:/tanta que só pode ser da Frelimo! Continua a não dar. Tem que ser mesmo a asa; e tem que ser Fernando Couto a dizer isso. Tudo o resto é profano. O fascínio tomou tanto conta da nossa imaginação que colocamos o objecto desse fascínio ao que elevamos bem alto. Não vamos discutir a questão dos anjos, claro, mas estamos avisados. O que de mais sublime povoa a nossa imaginação – pelo menos a do nosso poeta – pode, pela análise fina dos nossos compatriotas zangados, virar algo mais profano ainda do que as minhas lucubrações. Sexo dos anjos. De discutir o sexo dos anjos.

A tradução da ira em vocabulário moral autoritativo que os nossos compatriotas zangados operam faz uso de uma distinção – por eles introduzida – entre independência e jornal Notícias. Isto é, ser jornal Notícias ou publicar no jornal Notícias é razão mais do que suficiente para se estar viciado. Mas como nem todos sabem isso, é preciso sempre dizer “o matutino governamental”. Portanto, é importante que fique a ideia de que o jornal Notícias, por ser jornal Notícias, não pode ser objectivo na sua análise. E se o for, é porque o poder autorizou. Mas a regra geral é essa: se diz bem das coisas, está a mentir; se diz mal, é estranho. Só que a bem dizer, a função da distinção entre independência e jornal Notícias não é de pôr a descoberto as cores partidárias do Notícias. Nada disso. A função é de vincar a independência. Pior ainda: a função é de introduzir critérios de plausibilidade que não deviam ter nenhum papel na discussão pública. É assim: independência, pelo simples facto de se ser jornal independente, é critério de objectividade. No nosso país. E na mente dos nossos compatriotas zangados.

E isto devia nos remeter ao significado da palavra independência. Quando é que uma opinião é independente? No nosso país, uma opinião é independente quando não é possível articulá-la com a vontade do poder instituído. O critério é muito vasto, mas é o critério que temos e praticamos. Ser independente é não ter nada a ver com o governo. Formular uma opinião independente, consequentemente, é distanciar-se do governo. Melhor ainda: é falar mal do governo com insistência doentia. É reconhecer que está tudo mal, prontos. Os independentes podem dizer coisas bizarras, desfiar teorias de conspiração, especular sem sentido e mesmo mentir. Mas como são independentes, estão de certeza a dizer a verdade. Não interessa interpelá-los, pedir-lhes provas e argumentos, encorajá-los  a serem mais comedidos e equilibrados nos seus verdictos. Nada disso. Só não vê quem não quer ver. O estatuto de independência confere razão e plausibilidade. Quem os interpela corre o risco de ser associado ao governo. E isso é grave. Quem publica no Notícias não é independente. Os independentes não têm preferências ideológicas e pessoais, eles ocuparam aquele espaço privilegiado reservado a quem fala a verdade. Aliás, eles são a verdade. La vérité c’est moi! (eu sou a verdade).

Irreprimível gosto da razão:/ tanto que a demos aos independentes! E viva Moçambique! 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Os Nossos Compatriotas Zangados (2) A Razão

A saga iniciada aqui, derivada do debate que corre aqui e agora aqui continua. Agora vamos falar da razão (ou da falta dela).



Os Nossos Compatriotas Zangados (2) A Razão



Por E. Macamo


Fernando Couto divaga, sobre os “Corvos”: A planar te contemplo/senhor da altura/admiro-te e esqueço/que és abutre em miniatura. E eu sempre pensei que Mia Couto fosse um produto destes inúmeros acasos que Moçambique vai produzindo por aí sem a mínima capacidade de apreciar devidamente a sua qualidade. Afinal é tudo genético. Mas é mesmo isso, a beleza quando se cruza com a imaginação é capaz de tudo. Até mesmo de nos fazer esquecer o que há mais para além das aparências. É o mesmo com os nossos compatriotas zangados. Eles têm uma particularidade muito simples. Eles têm sempre razão, mesmo quando estão total e irremediavelmente enganados. E não só. Ter razão é uma prerrogativa apenas conferida a eles. Mais ninguém pode ter razão neste país. Só eles. Pior ainda: ai daquele que não procura ter razão, mas atreve-se a emitir opinião na esfera pública. Ai dele! Priva-os da possibilidade de poderem afirmar os direitos de autor que eles detêm sobre a razão.


Explico-me melhor. A indignação que caracteriza alguns dos nossos compatriotas faz deles pessoas moralmente superiores. Não basta, por exemplo, estar contra a corrupção e a desigualidade social. É necessário que essa oposição se manifeste publicamente em forma de pronunciamentos incendiários contra o que está mal. Isso vinca a sua superioridade moral ao mesmo tempo que estabelece os critérios de avaliação de qualquer pronunciamento. Há dois momentos cruciais neste processo. O primeiro é empírico, isto é consiste em constatar o que de facto existe. Isto é muito importante. No nosso país há funcionários públicos desonestos; no nosso país há instituições públicas que não funcionam bem, no nosso país há políticos normais, isto é que estão preocupados consigo próprios; no nosso país existem membros de um partido que abusam do seu poder para fazer chantagem sobre os demais cidadãos; enfim, no nosso país há coisas que não andam bem.


Agora, vamos prestar atenção ao segundo momento porque é crucial para a anatomia da razão dos nossos compatriotas zangados. O “há” não é suficientemente forte para sustentar a indignação. O “há” sugere a ideia de que sejam apenas algumas pessoas que são assim. Ou algumas instituições. E isso é pouco, não é motivo de indignação. É preciso transformar o “há” em “é”. O nosso país é corrupto, as instituições funcionam mal, os políticos só estão preocupados consigo próprios, o partido no poder faz chantagem sobre os demais. Assim já dá para ficar indignado. Para quê meio termo quando as questões podem ser colocadas de forma mais completa e sem medida? Reparem que assim colocadas as questões é difícil não se ter a forte convicção de que só não quer ver quem não quer ver. Aliás, esta expressão é frequente. Só não quer ver quem não quer ver.


Nestas circunstâncias, isto é, neste ambiente envenenado, aparecer alguém a aconselhar medida na análise das coisas é acto de perfídia. Está tudo mal. Que projectos obscuros é que essa pessoa está a desenvolver? O que quer? Porque alinha com os maus ao invés de ficar com os bons? Os maus são os que são responsabilizados pela “podridão” – usa-se esta expressão também – e os bons são os que têm esta rara capacidade moral de se indignarem. Portanto, é neste contexto altamente envenenado para o debate racional que a esfera pública se transforma num mercado de transação de certezas. Debater passa a ser confirmar as razões da indignação. É preciso dizer isto sempre. O nosso país está mal, os nossos governantes não prestam, a coisa está má. Se surge alguém a dizer isto, batem-se palmas ruidosamente e aponta-se para essa pessoa como mais alguém que vê que as coisas estão mal. É mesmo assim que titulam a coisa: mais um que não está contente com o estado das coisas. Se esse alguém for uma pessoa identificada normalmente com os “maus”, estilo algum veterano da luta armada ou coisa parecida, melhor ainda. Mesmo fulano de tal está cheio até aqui, exclamam triunfalmente com a palma da mão encostada como boné na testa. Se no dia anterior essa mesma pessoa tiver dito que as coisas não estão assim tão mal, saiem todos à rua a gritar “pois é, que mais poderia ele dizer!”. Esta é a anatomia da razão e do debate de ideias em Moçambique.


A falar admiramos os nossos analistas políticos e esquecemos que são políticos intolerantes em miniatura.  

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Os Nossos Compatriotas Zangados (1) A Autoridade Moral


A propósito da publicação do texto de Tadeu Phiri no Blog do Mutisse aqui, publico neste cantinho, porque relacionados de alguma forma, uma série de textos que o Professor Elísio Macamo (com a devida vénia) uma vez publicou no Jornal Notícias. Começo com o primeiro da série “A Autoridade Moral” que também foi publicadoaqui.

Os Nossos Compatriotas Zangados (1) A Autoridade Moral

Por E. Macamo


Por mais que te isoles/no seio da floresta/a solidão não será/tua companheira. Quem escreve isto é Fernando Couto, o idoso com maior sentido de humor que conheço neste nosso país, num poema com o título “Floresta” que extraí da sua antologia poética “Rumor de água”. Excelente divagação no cruzamento de várias vivências, sonhos sonhados, esperanças traídas e obstinação telúrica. Não entendo muito de poesia para dizer com autoridade tudo quanto a leitura de boa poesia suscita em mim. Sei, contudo, reconhecer algo profundo que alguém diz independentemente do meio que escolhe para o fazer. Não sei quantas vezes reli estes versos. Não sei também porque os reli. Em certos momentos, tentei perceber a teoria de conhecimento que lhes dá plausibilidade. Noutros momentos, admirei simplesmente a imaginação: estar sozinho e, por isso mesmo, não estar a sós. 

Fernando Couto é capaz de não gostar do que vou fazer nesta série, mas confio no seu sentido de humor para ser condescendente para comigo. Gostaria de me inspirar nesta ideia genial da companhia da solidão para meter conversa com alguns compatriotas nossos. Não sei muito bem como caracterizá-los, pois em certa medida eles representam muito do que é moçambicano na sua maneira de estar. São compatriotas zangados, prontos. Na verdade, cada um de nós tem razões mais do que suficientes para fazer o seu tempinho na nossa história com cara amuada. Há muita coisa que não anda bem. Aliás, como os compatriotas zangados diriam, há muita coisa que está mal. Pobreza. Corrupção. Criminalidade. Mugabe. Arrogância do poder. Ostentação. Falta de sistema (no BIM). Fraude (eleitoral). E muitas outras coisas más que azedam ainda mais a nossa bílis. Portanto, cada um de nós tem motivos mais do que suficientes para se zangar. Ah, eu zango-me mais com a indústria do desenvolvimento. E com qualquer governador de Gaza. 

Mas a nossa zanga, isto é, a zanga dos demais, é coisa geral. É coisa do dia a dia e não tem nada de especial. É aquela zanga tipicamente moçambicana que sempre fecha com a frase “são coisas de Moçambique” ao lado de um encolher característico, e impotente, dos ombros. Que fazer? Há uma outra zanga, mais verdadeira e virulenta. Essa não é de todos nós porque requer um nível de indignação que não está à altura de qualquer pessoa. Ela requer um nível de indignação que só gente que valoriza a sua própria companhia é capaz de alcançar. Aí está de novo a dica que fui buscar em Fernando Couto. Esses nossos compatriotas isolam-se na floresta e pensam que sozinhos estão em boa companhia. A pergunta que coloco e tento responder nesta série que hoje inicio é de perceber como é que eles fazem isso. A inspiração imediata para esta reflexão veio de uma distinção que me foi feita pelo semanário Savanarecentemente onde fui rotulado de sociólogo oficioso do matutino oficioso. Em linguagem mais acessível: coloco a minha autoridade de sociólogo ao serviço de um jornal que coloca a sua autoridade de órgão de informação ao serviço de um governo que coloca a sua autoridade ao serviço de interesses particulares que colocam a sua autoridade ao serviço da destruição de Moçambique. É uma lógica complicada, mas é mais ou menos assim.

Quero perceber como os nossos compatriotas zangados se isolam para entender porque é tão difícil debater racionalmente entre nós. O meu palpite é de que esses nossos compatriotas produzem a sua própria zanga através de um mecanismo inacessível a muitos de nós. Esse mecanismo consiste na tradução do motivo da sua ira num vocabulário moral que os autoriza a ficarem zangados. É algo narciso que tem muito pouco a ver connosco, mas produz muito barulho que atrapalha aqueles que gostariam de pensar este país com integridade intelectual e frieza crítica. E só eles é que podem ficar indignados, mais ninguém. Ou melhor, para alguém mostrar verdadeira indignação pelo que não anda precisa de assimilar o seu vocabulário moral, ver os mesmos demónios, isto é, vê-los mesmo quando não existem, e repetir lugares-comuns. Acima de tudo, repetir lugares-comuns, mas com ar grave e indignado, pois na indignação reside toda a plausibilidade do seu discurso. Nos próximos artigos vou percorrer alguns momentos deste processo de tradução da ira em vocabulário moral a ver se aprendo, Fernando Couto, por favor, a amar os silêncios graves/e também os sussuros/nos graves pinhais.../amar a alma da floresta/a alma da madre floresta...