terça-feira, 26 de maio de 2009

Dignidade Acima de Tudo

Dignidade Acima de Tudo
Gonçalves Matsinhe*
Pensei em escrever uma carta à Dra. Maria Helena Taipo mas, logo, desisti da ideia. Tive receio que tanto elogio junto, principalmente em público, soasse a bajulação. E ela não precisa ser bajulada. Muito menos chantageada; mesmo que o agente chantageador seja o encarregado de negócios da Embaixada do país mais rico do mundo.

É bom que se diga e se enalteçam as boas acções. É bom que se enalteça a coragem de mandar dar uma curva aos amigos quando se comportam mal e pensam que podem nos jogar à cara a nossa pobreza, nos obrigando a violar a lei.

Cheguei até a considerar a hipótese de nem se quer me pronunciar sobre este assunto. A minha consciência de cidadão não me permitiu. Tenho para mim que ser pobre não é defeito; que ser pobres não nos torna indignos e/ou não merecedores de respeito por parte de quem, pretensamente, nos pretende ajudar.

A ajuda sincera não se compadece com intimidações. Precisamos de ajuda? É claro que sim. Em muitas áreas como é o caso da saúde e, especificamente, no tocante ao HIV/SIDA, acredito que somos deficitários em recursos financeiros e até humanos mas, tal escassez, tal necessidade, não é motivo para que nos queiram perfilados na praça pública a exibir as partes íntimas (gozar connosco como sugere o editorial do notícias da sexta-feira dia 22 de Maio), como parece sugerir, o digníssimo encarregado de negócios americano em Moçambique quando sugere que dobremos as leis e as metamos na lata de lixo em troca de uns quantos dólares e médicos de que, na verdade, precisamos.

É verdade que não é pelo número de vozes que se levantem para dizer ao Sr. Tod Chapman, que Moçambique é um Estado soberano (presumo até que ele saiba) que, tal como no país do sonhador Martin Luther King e do crente Barack Obama, tem suas leis e estas devem ser cumpridas, que ele (Sr. Tod Chapman) e os seus patrícios manterão ou deixarão de manter a intenção de nos “ajudar” nas áreas por eles identificadas. O desiderato de “ajudar” ou não será cumprido como consequência de uma decisão ponderada dos Estados Unidos da América enquanto Estado soberano.

Os Estados Unidos da América têm suas leis e mecanismos próprios de as fazer cumprir. Dura Lex Sed Lex, já diziam os outros; por mais duras que sejam as leis anti-terrorismo nos EUA que obriguem uma primeira-dama de um país africano a descalçar-se no aeroporto, nunca, apareceriam coros de protesto contra tal prática por, responsavelmente, termos noção que é de lei que aquele país soberano aprovou para se defender dos maníacos que o querem atacar. Por causa desse temor fizeram passar leis anti-terrorismo que obrigam a procedimentos específicos para quem os visita, incluindo primeiras-damas.

Nós também temos leis. Na nossa pobreza soubemos e sabemos aprovar leis que regulam diversos campos de actividade no país. Aprovamos leis que nos permitem saber quem são os estrangeiros que entram no país, a que vieram, o que fazem e onde e para quem trabalham. Temos igualmente leis que determinam o perfil de pessoas que devem trabalhar em determinadas áreas e as condições para que, legalmente, possam exercer essas actividades e determinam as condições de “certificação”.

Porque será que os americanos não querem ter a sensibilidade com as nossas leis? Porque cargas de água assumem eles que as leis que regem a contratação de estrangeiros, bem como aquelas sobre os requisitos básicos para determinadas actividades (como a médica por exemplo) não devem ser cumpridas?

Os procedimentos para a contratação de mão-de-obra estrangeira são claros. Qualquer instituição bem intencionada cumpre-os. Os agentes do Estado tem responsabilidade para com os moçambicanos e não só. Não se devem permitir passar por cima de leis e procedimentos que podem, inclusive, dar azo que nos apareçam sapateiros, mecânicos, espiões e mais como médicos e/ou nutricionistas, pondo, dessa forma, em risco a vida de muitos de nós.

A actual lei do trabalho beneficiou em muito do apoio americano. Não nos esqueçamos que na época da sua concepção, um dos parceiros sociais – a CTA – tinha como principal financiador a USAID e batia-se por uma lei mais liberal e potenciador do investimento.

Mas porque a lei do trabalho surgiu da concertação de três partes e não da imposição de qualquer delas, o resultado final pode não ter agradado, não só a CTA (e por arrastamento, os seus principais financiadores a USAID, uma agência do Governo americano), mas qualquer dos outros parceiros. Aliás, foi sempre notório o desconforto dos empregadores e de algumas pessoas ligadas a agências internacionais quanto ao produto final consubstanciado na actual Lei do Trabalho.

Deste modo, os pronunciamentos do Sr. Tod Chapman, para além de consubstanciarem chantagem e uma ingerência grosseira nos assuntos internos em violação de convenções sobre a matéria, podem ser enquadrados numa estratégia para dinamitar a lei do trabalho que, depois de muito investimento americano através da CTA, não saiu como estes pretendiam.

Mas, como diz o editorial do “Notícias” já referido acima, “há lobby para fazer mudanças” e seria legítimo que este fosse desencadeado mesmo com apoio americano. O que não é legítimo é ameaçarem nos como o fazem, tentando escapara à dureza da lei que não é só para os americanos mas é para todos os que, de alguma forma, pretendam contratar e introduzir no espaço interno qualquer cidadão estrangeiro para trabalhar.

Graças a Deus a Dra. Maria Helena Taipo não tem que engolir determinados sapos principalmente quando tais sapos são servidos no sentido de abrir excepções que se constituiriam em precedente mau para o país. Amanhã seriam os chineses e os cubanos a quererem nos “oferecer” milhares de médicos e dólares que poderiam, igual e legitimamente, pretender beneficiar do tratamento já dado a outros obrigando-nos, mais uma vez, a baixar as calças.

Graças a Deus, os moçambicanos percebem que a Dra. Maria Helena Taipo não nos está a castigar exigindo que a lei seja cumprida. Está até a proteger-nos. Está a ser responsável e até avisada no tratamento destas questões com aquele interlocutor. Não nos esqueçamos que o Governo americano emite regularmente relatórios acusando os nossos países, inclusive, de ilegalidades como as que, aparentemente, estão a tentar sugerir à Ministra do Trabalho.

Temos que concordar com quem disse que a flexibilização que se pretendia com a reforma da lei do trabalho que culminou com a aprovação da lei actualmente em vigor, não devia implicar, a ausência do Estado na regulação do trabalho. A situação que aqui se aborda é um dos exemplos, de entre vários, dos domínios em que o Estado tem que ser vigilante e actuante, em defesa da nossa soberania e dos nossos interesses enquanto nação.

Concordamos igualmente que a regulação e a presença do Estado nos termos afirmados acima, deve ser ajustada às realidades concretas. É um facto que temos escassez de médicos e, perante esta realidade concreta, o Estado deve, através das instituições apropriadas, criar condições para que os médicos, sublinhe-se médicos, devidamente certificados e acreditados exerçam a sua actividade em Moçambique. É isto que me parece que a Dra. Maria Helena Taipo está a exigir. Está a dizer: venham mas mostrem ser verdadeiramente médicos e não qualquer outra coisa, e os americanos não querem. Querem um aval imediato para, mais tarde, virmos a saber que um qualquer fulano afinal não é médico de nada, era carpinteiro na Nicarágua e teve a hipótese de ganhar uns trocados como medico e cá veio.

A Embaixada dos Estados Unidos está preparada e, de certeza, dispõe de recursos, tanto humanos como financeiros, para atender à burocracia e aos custos gerados pela lei actual através da sua gigantesca estrutura técnico administrativa. Ademais, tratando-se de um sector tão sensível como a saúde, e a necessidade de ajudar os necessitados, a burocracia inerente ao processo e os seus custos não deviam, para os americanos, ser insuperáveis.

Somos pobres sim, mas somos dignos.
* Publicado nas edições de 26-27/05/2009

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Coisas Sérias Ditas Meio a Brincar

Nos semanários "Savana" e "Domingo" que, religiosamente, leio semana sim, semana sim, delicio me com as rubricas "a hora do fecho" e "bula-bula". Invariavelmente, nesses dois jornais, começo sempre pela última página e por essas rubricas.

Mas não é sobre os meus hábitos e manias na forma como abro esses jornais que vim para aqui.

Devido ao carácter descontraído daquelas rubricas, se calhar, muitos não dêm importância nem relevância ao que ali se diz. Eu dou importância. No meio de uma piada que tem como substracto coisa séria, dizem-se muitas coisas sérias que deviam nos levar a reflectir sobre muitos fenómenos.

No último "Domingo" este semanário deu destaque à situação do Comando da PRM em Tete: como chegamos àquela situação? Como permanecemos daquele jeito? Que condições e que mensagem estamos a passar para os operativos que ali trabalham? Que o Estado se desleixou com as condições físicas e que eles também se podem desleixar? De que é que esperamos para dar-lhes condições? Que o Anibalzinho ao ser apanhado por aquelas bandas e "encarcerrado" por lá volte a fugir para darmos importância àquele património vital para o funcionamento de um departamento estatal tão importante como a polícia?

O "Savana" desta semana brinda-nos com esta: "Andam episódios estranhos nas Pescas que só encontram explicação na metafísica. Recentemente registou-se um roubo selectivo de material informático, com destaque para discos duros, nos Recursos Humanos. Funcionários impunes, após processarem salários fantasmas durante 16 meses. Dizem que até o gabinete do ministro não escapou a vassourada." É sério gente, e não é novo e nem se quer é a primeira instituição onde se dão estas coisas.

De que esperamos para pôr cobro a esta situação? Que nos roubem o próprio Estado? Existem back up's que nos salvaguardem apesar dos constantes roubos de hard disks? Existirá ou haverá algum plano de criar um arquivo centralizado do aparelho do Estado? Será que o Estado está tão vulnerabilizado que basta o furto de uns tandos discos duros para que a informação se evapoure?

Estou preocupado.

Estamos a entrar (ou já estamos) em período eleitoral e, seguindo repto do Júlio Mutisse, espero sinceramente que a Democracia funcione de facto e que seja mentira que os meus camaradas "nomeadamente os secretários da maçaroca preparam previamente os actores que vão fazer as intervenções." Seria, de facto uma "democracia bem complicada" ou quase nula.

Espero bem que ao abordarmos e discutirmos os temas fundamentais que julgamos serem importantes discutir em campanha ou que entrem na agenda política, não sejamos externamente mobilizados para os abordar mas, sim, que a nossa consciência nos diga que os devemos abordar.

Tenho dito. Um abraço e bom fim de semana a todos.

PS: Mapengo, escreva-me uma carta...