sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Pode-se Combater a Pobreza Sem um Sistema Eficiente de Transportes Públicos?

Na esteira do que o Mutisse publicou aqui ou mesmo aqui, Ericino de Salema retomou o ponto sobre os transtornos relativos ao transporte num texto publicado no Jornal Savana de hoje 28 de Janeiro de 2011 que publico abaixo.

Pode-se combater a pobreza sem um sistema eficiente de transportes públicos?

Por Ericino de Salema


As cidades de Maputo e Matola vivem os seus piores momentos, no que ao sistema de transportes públicos diz respeito. Incluo, aqui, os semi-colectivos de passageiros, que, mesmo sendo detidos por particulares, prestam um serviço público por excelência. Viver na Matola e trabalhar ou estudar na cidade de Maputo, ou nos bairros periféricos da cidade de Maputo, mas trabalhando na zona de cimento desta, é um autêntico bico-de-obra.

Os que, diferentemente de pessoas como eu, não têm a sorte – ou o azar? – de testemunhar o caos que se vive pelas manhãs ou ao cair da tarde e da noite nas duas urbes, podem até pensar que há exageros quando alguém lhes contar as peripécias que são diariamente experimentadas por inúmeras almas. Mas, com o mínimo de atenção, pensamentos tais podem ser ultrapassados com um simples olhar desatento à cada vez crescente abundância de camionetas e camiões transportando trabalhadores e estudantes.

Um trabalhador que resida, por exemplo, no bairro Txumene, na fronteira entre o Município da Matola e o distrito da Moamba, na província de Maputo, ou no bairro Guava, na zona limítrofe entre o Município de Maputo e o distrito de Marracuene, também na província de Maputo, precisa de adicionar, nas suas oito horas de trabalho previstas na lei, outras seis a oito de guerra autêntica visando arranjar espaço num meio de transporte indigno e inseguro.

O trabalhador que viva num dos bairros acima referidos, e que inicia a sua actividade laboral às 7:30 horas, deve despestar por volta das 4, para começar a preparar-se. Conseguindo estar na paragem mais próxima do seu bloco habitacional uma hora depois, por exemplo, tem que ver se consegue alinhar na relevante bicha, para, daí em diante, rezar para que ela [a bicha] seja célere, mesmo que ao rítmo do que canta(va) Jeremias Ngwenha.

Com muita sorte, o que sai da terminal de Txumene ainda consegue estar no cruzamento entre a N4 e o prolongamento da Avenida OUA (ali nas proximidades de um renomado centro comercial) 60 a 90 minutos depois, para, dali, ver se se mete noutra luta para cumprir o último trajecto, daquele ponto até ao centro da cidade. O que vive em Guava precisará de mais ou menos o mesmo tempo para se fazer à Praça da Juventude, no bairro de Magoanine, e dali para o centro da cidade de Maputo, se não se importar de se ‘ensardinhar’ em camionetas ou camiões. Se se importar, preferindo um semi-colectivo, vulgo “Chapa 100”, deverá observar uma paragem obrigatória na Praça dos Combatentes, também conhecida por Xiquelene.

Os concidadãos que partam dos mesmos pontos – Txumene e Guava, citados aqui a título meramente exemplificativo – têm muita coisa em comum:

• Devem ter muita sorte para não se atrasarem ao serviço;

• Atrasando-se ou não, tanto um como outro chegam ao local de trabalho já cansados, de tanto esforço que empreenderam só para lá chegar;

• A decência com que terão saído de casa terá já desaparecido, por tanto terem disputado e sofridamente usufruído de indignos meios de transporte;

• A productividade de ambos será muito baixa, devido ao efeito psicológico do pensar na viagem de regresso;

• Do serviço à casa, o ‘txumenense’ e o ‘guavense’ precisarão de umas três a quatro horas de ‘serviço’;

• Ambos andam sempre cansados, não pelo trabalho que desenvolvem, mas pelo sofrimento a que se sujeitam para chegar ao local de trabalho;

• Como se tudo elencado acima fosse pouco, parte considerável da renda de ambos é aplicada nas despesas de transporte. O deles e o dos seus dependentes, havendo, como muitas vezes sucede.

Na primeira semana deste ano, desloquei-me a uma instituição pública, na qual tinha que contactar com uma certa funcionária, para poder resolver o que para lá me levava. Quando o agente de serviço me levou à sala da dita cuja, ela foi clara e directa: “Deixa-me descansar um pouco; daqui a um tempo vou-lhe chamar, mas depois de tomar chá”.

Devo confessar que, naquele momento, tive dificuldades em perceber as ‘razões de ciência’ que acabavam de ser evocadas por aquela funcionária. Mas, algum tempo depois, supondo que ela viva nas periferias de Maputo ou de Matola, percebi-as facilmente. E o chá? Deve não fazer nenhum mal a quem disperta às 4 horas, já com pressa, depois de se ter feito à cama às 22/23 horas, por ter chegado tarde à casa, mas com a obrigatoriedade de ainda confeccionar alimentos e, porventura, preparar a escola das crianças no dia seguinte.

Depois de 45 minutos, a funcionária em questão chamou-me à sua sala, já recomposta e bem disposta. Atendeu-me de forma profissional e honesta, com tanto carinho e respeito, o que faz supor que talvez acabasse de ‘vencer’ uma batalha…para chegar ao serviço.

Com as camionetas e camiões “empenhados” no transporte de passageiros, há tantas outras coisas que, por tabela, se vêem afectadas. Um amigo meu que anda envolvido em obras, sendo ele responsável duma pequena empresa de construção civil, contou-me há dias que, nas horas de ponta, é muito difícil tê-los, nos últimos dias, a carregar areia ou pedra, devido ao patriótico trabalho de transporte de passageiros em que andam também envolvidos. E de forma activa, diga-se!

Tudo isto, para dizer que estamos muito mal em termos de transporte público de passageiros. O Governo deve, com carácter de urgência, traduzir os seus belos discursos em acções práticas, pois ninguém ganha com este estado de coisas. Enquanto a longa espera por mais autocarros para os TPM [Transportes Públicos de Maputo] – um dos administradores desta é líder dum partido trabalhista, que era suposto se preocupar com os problemas que afligem a classe trabalhadora, incluindo obviamente este bicudo problema de transporte de passageiros –, algo devia ser feito, como, por exemplo, o estabelecimento de um regime temporário de isenções aos empresários do sector que pretendam importar autocarros.

O discurso político capitaliza tanto, nos últimos dias, o combate à pobreza urbana, na esteira do que cidades como as de Maputo, Matola, Beira e Nampula passarão a receber os famosos – ou famigerados? – “7 Milhões” para acções visando o combate à pobreza. Mas não será falacioso pensar em combater a denominada pobreza urbana em urbes como Maputo e Matola, sem um sistema eficiente de transportes públicos? Se isso não for falacioso, passarei a acreditar que os morcegos já começaram a doar sangue, como diria o outro…

PS: O meu conterrâneo Paulo Zucula, ministro dos Transportes e Comunicações, empreendeu, na manhã desta terça-feira, 25 de Janeiro, uma ‘missaozita’ ao bairro de Magoanine, para se inteirar do problema de transportes, como quem ainda tivesse dúvidas da veracidade do grito popular. Agora, se Paulo Zucula vier a público dizer que não é verdade que há gente a ser transportada em camiões pelas manhãs e ao cair da tarde e da noite, eu lhe ofereço uma cerveja, como ele prometeu fazê-lo ano passado, se alguém indicasse um único país que não tenha buracos nas suas estradas.

Um comentário:

Adriano Couto disse...

Parabéns pelo blog! Já estou seguindo e o coloquei na minha lista de favoritos! Convido-lhe a visitar o meu blog Opinião & Cia (http://www.opiniocia.blogspot.com)

abraço!