Era Junho, no longínquo ano de 1985 quando, por causa da barbárie que chamam de “luta pela a democracia”, cheguei (mais cedo do que se previa) a cidade de Maputo.
Para uma criança de 9 anos que vinha de Mazucane, uma localidade a 10 Km da vila sede de Mandlakazi, que aprendeu a falar e, depois, graças a Igreja do Nazareno ali bem ao lado de casa, a ler, em Changana, antes de ser entregue ao Estado para a escolarização, tudo era um choque.
O primeiro choque foi mesmo a língua; antes mesmo de interagir com vizinhos, colegas de escola, membros da igreja, elementos da família próxima e alargada já residentes em Maputo, eu, conhecedor das minhas limitações relativamente à língua portuguesa, já sentia um medo monumental da cidade. Perceberão que, para um menino que só usava (porque falar é outra coisa) o português na escola, mudar abruptamente de tal sorte que o português passe a ser a principal via de comunicação, assusta e assustaria qualquer um.
Nos primeiros tempos, tal e qual fazemos nos primeiros passos de aprendizagem de qualquer língua via me obrigado a pensar em changana para expressar a ideia em português. É claro que a ideia fulcral se dissolvia. É por estas e outras que hoje sou adepto do ensino bilingue, de modo a que nada se perca. As nossas línguas são um vector muito útil na transmissão de conhecimento. A sua secundarização é uma barreira ao conhecimento.
Depois, era tudo novo. Eu tinha saído de um meio onde somos todos família, para um meio que não me transmitia nenhuma segurança; fora de casa não encontrava a familiaridade nem atitudes a que estava habituado nas pessoas a minha volta, nem a solidariedade que caracterizava as pessoas do meio de onde vinha.
É por estas e outras que, 24 anos depois, e de alguma forma urbanizado, confesso que o campesino ainda vive em mim. 24 anos depois, não consigo ver aquele pedaço de terra como algo distante, algo do passado. Continuo me sentindo parte daquele espaço e com direito de intervir nos assuntos locais. Uma das formas de fazer isso é ir lá frequentemente.
Foi isso que fiz há dias. Precisava ver e conviver com os meus e, zás, fiz me a estrada tendo por companhia o velho Domingos Honwana, o Xidiminguana. Ele do reprodutor do carro me contava as suas histórias, me falava do seu amor pela Paulina, me contava do roubo da sua viola e, aqui, eu disse para mim, graças a Deus que te deixaram vivo oh Madala Domingos e lembrei-me do Lucky Dube; do fim trágico.
Eu e Xidiminguana vínhamos em perfeita sintonia, no meu silêncio, de vez em quando, questionava o velho Domingos sobre alguma das suas crenças mas, logo, chegávamos a um consenso. É sábio o Domingos.
O motivo da minha ida “às origens” mudou ligeiramente quando o velho Domingos cantou para mim da PUJANÇA da FRELIMO. Ele repetia que a FRELIMO espanca; prova disso é que os colonialistas fugiram daqui. Contextualizei: o Xidimi, nesta música, fala da Frente, aquela que em 10 anos espancou o colono e o expulsou destas terras e, comecei a pensar se esta máxima espancadora é aplicável à Frelimo Partido?
Distrai-me um pouco das histórias do velho Honwana e comecei a pensar no que leio nos jornais, na blogosfera, no que vejo em programas televisivos etc. Lembrei-me das reacções ao pronunciamento do Macuacua, o Edson, sobre a proeminência do Partido Frelimo e a insignificância dos demais (como se fosse exigível outro pronunciamento do secretário de propaganda de um partido, seja ele qual for), pensei no meu novo amigo no Hi5 (o Daviz) e no movimento que dirige bem como nas expectativas localizadas a sua volta.
Se olharmos para os resultados das últimas eleições autárquicas, chegamos facilmente a conclusão de que, tal como a Frente de Libertação de Moçambique, o Partido Frelimo continua pujante, ainda esmurra como sugere Xidiminguane. Mas as autarquias são pontos demasiado localizados, urbanizados até. Na minha cabeça fervilhava a pergunta: e nas zonas rurais como aquela a que me dirigia, podemos, a vontade, fazer coro com Xidiminguana e repetirmos o que o Edson Macuacua disse?
Na minha cabeça mora ainda a ideia de que é nos espaços rurais que vive a maior parte da população moçambicana e qualquer partido que pretenda conquistar o poder, mais do que conquistar algumas simpatias nos espaços urbanos através da visibilidade que a imprensa e as novas tecnologias dão, tem e deve poder penetrar nas zonas rurais e ganhar a simpatia do conjunto de compatriotas que não têm acesso às luzes da ribalta da cidade.
Descobrir quem anda por aquelas bandas da minha casa em Manjacaze passou a ser um dos meus objectivos.
Parei no Xai-Xai, encontrei ex-colegas de escola em Mazucane. Tal como eu iam para casa. Fomos conversando e lá veio a política; como é que era o movimento político no Xai-Xai e… só me falavam das actividades da Frelimo. Perguntei, mas, e… os outros? Disseram me que há bandeiras da Renamo em alguns pontos e pouco mais.
Durante a minha estadia em Mandlakazi fui conversando com muita gente que reside na zona para me inteirar do conhecimento que tem da realidade política e dos actores políticos mais relevantes. A recorrência do discurso que denota o ressentimento de, num passado recente, muitos terem perdido tudo ou quase tudo e/ou conhecerem alguém que passou por essa má experiência às mãos dos homens do tio Afonso e a simpatia por quem sempre os protegeu, que dá a cara mesmo quando, naquela zona reclamam veementemente das condições da estrada, percebi que ali, a Renamo só existe enquanto actor de uma guerra que desgraçou muitos e não como actor político a ter em conta. A Frelimo continua embalada nos braços das gentes de lá. E o MDM? Ninguém conhece.
Poder-se-á dizer: Gaza é bastião da Frelimo mas, será que aos demais não interessa penetrar nesse bastião como uma plataforma para a conquista do almejado poder? Poder-se-á dizer que há ressentimento por causa da guerra mas, onde é que não há? O que vi ali é ou não generalizável para as demais províncias? O MDM, que pretende fazer tremer a Frelimo e a Renamo, que inserção tem a nível das localidades deste Moçambique?
Começo a dar razão ao Egídio Vaz que, no seu blog, disse: “parece-me que grande parte dos que aureolam Daviz, estão tão obcecados pelo partido em si, de tal sorte que suspeito desconhecerem da verdadeira realidade que lhes espera. Pensam em última instância, que basta a fama de Daviz e a aceitação que possui na Beira, para que a mesma se irradie pelo país adentro. Parece-me a mim, terem feito uma leitura superficial e algo apaixonada da base social que os apoia para projectarem homoteticamente às realidades tão distantes das que se vive na Beira e Maputo, por exemplo. E em última instância, Daviz Simango deixou-se enganar por grupos de políticos emergentes que procuram um lugar ao sol à custa da sua imagem”
O Egídio acrescentava que “O MDM é um partido que nasce na cidade. Sabendo que a maioria da população vive no campo, qualquer partido ganhador deverá captar a simpatia destes. Portanto, logo à partida, o MDM nasce em desvantagem; digamos, sem pernas. Precisará de erguer algumas próteses para poder competir com a Renamo, a Frelimo e PDD, seus principais adversários” para além de que “a experiência recente mostra que muito dos sonhos que nascem nas cabeças dos nossos políticos na verdade não são sonhos embaçados numa visão de Estado e da nação, mas antes, ambições mesquinhas, temperadas por alguns tiques de inveja, rancor e vingança. O perfil dos principais actores envolvidos na fundação do partido de Daviz Simango anuncia uma grande dificuldade de a breve trecho o MDM poder ter a sua própria identidade. Ao explorar em demasia as suas clivagens com a Renamo e Dhlakama em particular, receio que este partido venha a perder mais tempo a justificar a razão do seu divórcio com a Renamo e seu líder do que necessariamente a proposta de linhas de governação alternativos e viáveis. Grande parte dos actuais líderes do MDM está ávida em isolar Dhlakama do que necessariamente formar e consolidar um partido político.”
Neste quadro, creio que a Frelimo tem o ringue mais do que aberto para continuar a esmurrar os seus adversários até ao KO final. Aliás, mesmo a decadência dos partidos libertadores “arautada” por alguns fazedores de opinião, vem sendo posta em causa com as retumbantes vitórias do MPLA em Angola, da própria Frelimo nas Autárquicas e/ou do ANC aqui na RSA.
Para uma criança de 9 anos que vinha de Mazucane, uma localidade a 10 Km da vila sede de Mandlakazi, que aprendeu a falar e, depois, graças a Igreja do Nazareno ali bem ao lado de casa, a ler, em Changana, antes de ser entregue ao Estado para a escolarização, tudo era um choque.
O primeiro choque foi mesmo a língua; antes mesmo de interagir com vizinhos, colegas de escola, membros da igreja, elementos da família próxima e alargada já residentes em Maputo, eu, conhecedor das minhas limitações relativamente à língua portuguesa, já sentia um medo monumental da cidade. Perceberão que, para um menino que só usava (porque falar é outra coisa) o português na escola, mudar abruptamente de tal sorte que o português passe a ser a principal via de comunicação, assusta e assustaria qualquer um.
Nos primeiros tempos, tal e qual fazemos nos primeiros passos de aprendizagem de qualquer língua via me obrigado a pensar em changana para expressar a ideia em português. É claro que a ideia fulcral se dissolvia. É por estas e outras que hoje sou adepto do ensino bilingue, de modo a que nada se perca. As nossas línguas são um vector muito útil na transmissão de conhecimento. A sua secundarização é uma barreira ao conhecimento.
Depois, era tudo novo. Eu tinha saído de um meio onde somos todos família, para um meio que não me transmitia nenhuma segurança; fora de casa não encontrava a familiaridade nem atitudes a que estava habituado nas pessoas a minha volta, nem a solidariedade que caracterizava as pessoas do meio de onde vinha.
É por estas e outras que, 24 anos depois, e de alguma forma urbanizado, confesso que o campesino ainda vive em mim. 24 anos depois, não consigo ver aquele pedaço de terra como algo distante, algo do passado. Continuo me sentindo parte daquele espaço e com direito de intervir nos assuntos locais. Uma das formas de fazer isso é ir lá frequentemente.
Foi isso que fiz há dias. Precisava ver e conviver com os meus e, zás, fiz me a estrada tendo por companhia o velho Domingos Honwana, o Xidiminguana. Ele do reprodutor do carro me contava as suas histórias, me falava do seu amor pela Paulina, me contava do roubo da sua viola e, aqui, eu disse para mim, graças a Deus que te deixaram vivo oh Madala Domingos e lembrei-me do Lucky Dube; do fim trágico.
Eu e Xidiminguana vínhamos em perfeita sintonia, no meu silêncio, de vez em quando, questionava o velho Domingos sobre alguma das suas crenças mas, logo, chegávamos a um consenso. É sábio o Domingos.
O motivo da minha ida “às origens” mudou ligeiramente quando o velho Domingos cantou para mim da PUJANÇA da FRELIMO. Ele repetia que a FRELIMO espanca; prova disso é que os colonialistas fugiram daqui. Contextualizei: o Xidimi, nesta música, fala da Frente, aquela que em 10 anos espancou o colono e o expulsou destas terras e, comecei a pensar se esta máxima espancadora é aplicável à Frelimo Partido?
Distrai-me um pouco das histórias do velho Honwana e comecei a pensar no que leio nos jornais, na blogosfera, no que vejo em programas televisivos etc. Lembrei-me das reacções ao pronunciamento do Macuacua, o Edson, sobre a proeminência do Partido Frelimo e a insignificância dos demais (como se fosse exigível outro pronunciamento do secretário de propaganda de um partido, seja ele qual for), pensei no meu novo amigo no Hi5 (o Daviz) e no movimento que dirige bem como nas expectativas localizadas a sua volta.
Se olharmos para os resultados das últimas eleições autárquicas, chegamos facilmente a conclusão de que, tal como a Frente de Libertação de Moçambique, o Partido Frelimo continua pujante, ainda esmurra como sugere Xidiminguane. Mas as autarquias são pontos demasiado localizados, urbanizados até. Na minha cabeça fervilhava a pergunta: e nas zonas rurais como aquela a que me dirigia, podemos, a vontade, fazer coro com Xidiminguana e repetirmos o que o Edson Macuacua disse?
Na minha cabeça mora ainda a ideia de que é nos espaços rurais que vive a maior parte da população moçambicana e qualquer partido que pretenda conquistar o poder, mais do que conquistar algumas simpatias nos espaços urbanos através da visibilidade que a imprensa e as novas tecnologias dão, tem e deve poder penetrar nas zonas rurais e ganhar a simpatia do conjunto de compatriotas que não têm acesso às luzes da ribalta da cidade.
Descobrir quem anda por aquelas bandas da minha casa em Manjacaze passou a ser um dos meus objectivos.
Parei no Xai-Xai, encontrei ex-colegas de escola em Mazucane. Tal como eu iam para casa. Fomos conversando e lá veio a política; como é que era o movimento político no Xai-Xai e… só me falavam das actividades da Frelimo. Perguntei, mas, e… os outros? Disseram me que há bandeiras da Renamo em alguns pontos e pouco mais.
Durante a minha estadia em Mandlakazi fui conversando com muita gente que reside na zona para me inteirar do conhecimento que tem da realidade política e dos actores políticos mais relevantes. A recorrência do discurso que denota o ressentimento de, num passado recente, muitos terem perdido tudo ou quase tudo e/ou conhecerem alguém que passou por essa má experiência às mãos dos homens do tio Afonso e a simpatia por quem sempre os protegeu, que dá a cara mesmo quando, naquela zona reclamam veementemente das condições da estrada, percebi que ali, a Renamo só existe enquanto actor de uma guerra que desgraçou muitos e não como actor político a ter em conta. A Frelimo continua embalada nos braços das gentes de lá. E o MDM? Ninguém conhece.
Poder-se-á dizer: Gaza é bastião da Frelimo mas, será que aos demais não interessa penetrar nesse bastião como uma plataforma para a conquista do almejado poder? Poder-se-á dizer que há ressentimento por causa da guerra mas, onde é que não há? O que vi ali é ou não generalizável para as demais províncias? O MDM, que pretende fazer tremer a Frelimo e a Renamo, que inserção tem a nível das localidades deste Moçambique?
Começo a dar razão ao Egídio Vaz que, no seu blog, disse: “parece-me que grande parte dos que aureolam Daviz, estão tão obcecados pelo partido em si, de tal sorte que suspeito desconhecerem da verdadeira realidade que lhes espera. Pensam em última instância, que basta a fama de Daviz e a aceitação que possui na Beira, para que a mesma se irradie pelo país adentro. Parece-me a mim, terem feito uma leitura superficial e algo apaixonada da base social que os apoia para projectarem homoteticamente às realidades tão distantes das que se vive na Beira e Maputo, por exemplo. E em última instância, Daviz Simango deixou-se enganar por grupos de políticos emergentes que procuram um lugar ao sol à custa da sua imagem”
O Egídio acrescentava que “O MDM é um partido que nasce na cidade. Sabendo que a maioria da população vive no campo, qualquer partido ganhador deverá captar a simpatia destes. Portanto, logo à partida, o MDM nasce em desvantagem; digamos, sem pernas. Precisará de erguer algumas próteses para poder competir com a Renamo, a Frelimo e PDD, seus principais adversários” para além de que “a experiência recente mostra que muito dos sonhos que nascem nas cabeças dos nossos políticos na verdade não são sonhos embaçados numa visão de Estado e da nação, mas antes, ambições mesquinhas, temperadas por alguns tiques de inveja, rancor e vingança. O perfil dos principais actores envolvidos na fundação do partido de Daviz Simango anuncia uma grande dificuldade de a breve trecho o MDM poder ter a sua própria identidade. Ao explorar em demasia as suas clivagens com a Renamo e Dhlakama em particular, receio que este partido venha a perder mais tempo a justificar a razão do seu divórcio com a Renamo e seu líder do que necessariamente a proposta de linhas de governação alternativos e viáveis. Grande parte dos actuais líderes do MDM está ávida em isolar Dhlakama do que necessariamente formar e consolidar um partido político.”
Neste quadro, creio que a Frelimo tem o ringue mais do que aberto para continuar a esmurrar os seus adversários até ao KO final. Aliás, mesmo a decadência dos partidos libertadores “arautada” por alguns fazedores de opinião, vem sendo posta em causa com as retumbantes vitórias do MPLA em Angola, da própria Frelimo nas Autárquicas e/ou do ANC aqui na RSA.
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