sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Haverá (mesmo) Algo de Errado com África?

Viva Companheiros. Cá estou eu, neste espaço, pela primeira vez neste 2009 que quase consumiu dois meses. Que fazer? Quando se vive e trabalha lá onde muitos só conhecem pelo "Ver Moçambique" acaba dando nisto. Mas cá estou eu. Sejam felizes no que resta (e não é pouco) de 2009.

Já viram o título? É provocador. tão provocador como publicar a "correspondência" de muitas pessoas aqui. Pois então, o que reproduzo abaixo é resultado de uma troca de emails a que fui copiado. Achei o email restritivo demais por isso trago o debate para aqui.

Pensei nisso ao ler Construção selectiva da “realidade”! de Patrício Langa e O direito à razão XX "Do medo das consequências" e outros textos recentes de Elísio Macamo.

HAVERÁ MESMO ALGO DE ERRADO EM ÁFRICA?

Email 1 (de PC Mapengo para Júlio Mutisse e outros)

Parece uma brincadeira, mas muitos países africanos estão relacionados a isto:

Há 29 anos, Dos Santos (José Eduardo) tornou-se presidente e Reagan estava na presidência, Obama tinha 15 anos.

29 Anos depois, Dos Santos continua na presidência e Obama chega a presidência onde estava Reagan.

Há 29 anos que o pai de Obama faleceu, tivemos Reagan, Bush pai, Clinton e Bush filho nos USA como presidentes por 8 anos cada mas em Angola a mesma pessoa nos seus 60's e continua a tentar convencer os Angolanos de que pode introduzir modelos de desenvolvimento do pais.

Isto deveria fazer-nos reflectir? Alguma coisa esta seriamente errada com África!!!!! Algo esta errado comigo & contigo também!!!!!!!!! (destaque e sublinhado meu)

Email 2 (de Júlio Mutisse para PC Mapengo e outros)

Quem te disse que o que serve nos EUA deve servir para nós em África?

Quem te disse que os modelos ocidentais são "transladáveis" tal e qual para África e Angola em Particular? (ainda por cima és historiador).

A pessoa que escreveu isto está cansada do pobre do Zé Du. Estarão os angolanos, na sua maioria, cansados?

Não haverão sinais da capacidade inovativa deste homem em angola?

Deixemos o Zé Du para lá:

O que deixaram para trás, o Reagan, Bush pai, Clinton (este tentou brincar as guerras e foi humilhado na Somália) e o Bush filho? Flores por todo o lado?

Porque temos que lembrá-los apenas (destaque e sublinhado meu) pela alternância no poder e não pelo rastro de destruição que causam um pouco por todo o mundo?

Porque não lembrar essa gente que fica pouco tempo mas é capaz de deixar o Iraque, Afegenistão, Bósnia, Líbia, Somália como as deixaram?

Porque temos que DIABOLIZAR OS NOSSOS LÍDERES TENDO ESSES COMO EXEMPLO? (destaque meu)

Querem me dar bons exemplos? Citem me o Botswana ao menos, mas ao mesmo tempo me digam como é que a maioria de uma populaçãozinha que não encheria Maputo está infectada pelo HIV.

Email 3 (de Júlio Mutisse para PC Mapengo e outros)

Caros camaradas copiados,

A ideia com a minha resposta abaixo (neste caso acima, GM) não era violentar o bom do meu irmãozinho Mapengo e muito menos desculpabilizar a mania do poder perpétuo que caracteriza as lideranças de muitos países africanos. (destaque e sublinhado meu)

O objectivo é despertar o nosso sentido crítico em relação as coisas que nos são dadas a consumir e a reencaminhar.

De certa forma, com um email como aquele, somos todos obrigados a condenar/diabolizar o Zé Eduardo dos Santos e a bater palmas a alternância no poder nos EUA de forma acrítica.

O essencial do que devemos, de certa forma, questionar se quisermos diabolizar nossos líderes consta do meu email abaixo. Na questão dos anos no poder, Porque temos que lembrar, o Reagan, Bush pai, Clinton e o Bush filho apenas pela alternância no poder e não pelo rastro de destruição que causam um pouco por todo o mundo? O que deixaram para trás? Flores por todo o lado? Porque não lembrar essa gente que fica pouco tempo mas é capaz de deixar o Iraque, Afegenistão, Bósnia, Líbia, Somália como as deixaram? Porque temos que DIABOLIZAR OS NOSSOS LÍDERES TENDO ESSES COMO EXEMPLO?

São coisas pequenas, que de email em email fazem com que olhemos para África como o próprio inferno cheio de diabos, em contraposição com o outro lado onde moram os anjos.

As lideranças mundiais do presente e do passado têm os mesmos pecados que as nossas têm porém, com subtilezas como as do email que comento, vão nos fazendo acreditar que somos os tais podres, aqueles que fazem sempre o errado. (destaque e sublinhado meu)

Vamos lá mostrar que somos inteligentes. Este email de desculpabilização do meu email anterior já vai longo. Os dedos começam a fazer comichão para eu questionar sobre a essência do tribunal de Haia, onde qualquer Bush/Blair africano iria se só tivesse bombardeado coqueiros na Zambézia ou em Inhambane mas para onde o Bush/Blair americano/ocidental não vão apesar de tudo o que assistimos pela TV no Iraque e apesar de terem assumido que tudo aquilo foi causado por um equívoco. Queria eu ser o Charlles Taylor, Jean Pierre Bembá, o El Bashir e tantos outros e ouvir uma coisa dessas e não ver esses dois lá.... mas como já disse não vou comentar.

E, pelo que vi, muitos dos copiados neste email são jornalistas, escrevem e reproduzem com fidelidade o produto CNN sem nunca pararem para pensar nestas subtilezas. S

ejamos críticos... não repassemos ingenuamente emails, nem reproduzamos palhaçadas que só servem para minar a nossa confiança com as lideranças presentes e futuras dos nossos países (com muitos defeitos, muitos incapazes e vazios como os há lá do outro lado).

O juízo de valor que fizermos das nossas lideranças e das dos outros não pode centrar-se apenas no nº de anos do poder, tem que centrar-se nos seus feitos.

Email 4 (José Armando Estrela reencaminha para outros o conteúdo acima)

Email 3 (de Júlio Mutisse para José Armando Estrela e outros)

José,

Repassaste meu email acriticamente também. Os destinatários a que enviaste, das duas uma, ou vão pensar que estou coberto de razão (e não é isso que me preocupa) ou que estou sem ela (também não me preocupa muito).

O que quero é que não sejamos consumidores passivos de certas coisas, que sejamos críticos inclusive em relação ao que eu próprio digo abaixo.

Note que Angola aparece apenas como mote para esta questão já que não sou daqueles que pode falar com propriedade sobre o país.

Mas o exemplo de Angola multiplica-se um pouco por todo o lado em África e, nós como africanos, temos que poder ver para além do número dos anos (o erro nem está em 5, 10 ou 20 anos) mas se o povo se revê na liderança que tem e se esta (a liderança) responde os seus anseios.

Um abraço do índico. A cidadania faz se de pequenas coisas como essa.

HÁ OU NÃO?

5 comentários:

PC Mapengo disse...

Haverá mesmo algo de errado com África?
Recorrendo a lugares comuns: Darfur, Quénia, Somália, Zimbabué, Madagáscar, Mauritânia. Acha que é normal?
Por vezes é mais fácil dizer que não podemos transladar os exemplos de ocidente para África. Mas não se pode ser tão linear como as pessoas suas utilizadoras entre elas Júlio Mutisse, procuram se escudar. É claro que em pouco tempo que os líderes americanos ficam no poder fazem um mar de estragos. Mas o preocupante aqui não é só o tempo em que os líderes ficam é a oportunidade que os povos têm de fazer as suas escolhas e dizer para eles que o tempo chegou ao fim. Se prestarmos atenção já se está a tornar normal nos países africanos os líderes se esforçarem em mudar a constituição para se perpetuarem no poder. Que mensagens nos querem fazer passar? Que são os únicos capazes de levarem os nossos países ao porto seguro e que sem eles nós não nos safamos.
Haverá alguma coisa errada com África?
O que estamos a falar Gonçalves é a “oportunidade de errar” que os líderes africanos não dão aos outros. É a imagem de todo o poderoso onde existe uma distância entre a palavra “democracia” e o acto “democracia”. É disso que estamos a falar. Em pouco tempo os os Bush, Reagan, Clinton e outros conseguem transformar o mundo num lugar perigoso, mas em vida toda que os líderes africanos se mantêm em poder nos mostram como um grupinho pode enriquecer enquanto outros continuam a estender os braços.
No fundo Gonçalves falo de oportunidade, de funcionamento de um sistema e de respeito das regras de jogo o que não está a acontecer em África e estamos sempre preparados para culpar os outros pelos nossos erros. Estamos sempre preparados para dizer o que você e Júlio repetem: não será que estamos a repetir o que os outros querem? Ou então que os nossos jornalistas repetem o que a CNN diz. Será mesmo isso?
Há, sim algo errado em África, mas isso não quer dizer que não temos motivos para tocar ndjembes.

Júlio Mutisse disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Júlio Mutisse disse...

Mapengo. Há muita coisa errada em África, incluindo a truculência de alguns líderes em quererem manter-se no poder por força de emendas constitucionais e outros artifícios. Isso não está em causa.

Para mim, África tem que procurar soluções próprias para os seus problemas políticos, económicos e sociais. Me parece que as cópias, por aqui, não servem.

Para mim, Mapengo, temos que procurar os erros dos africanos com os olhos AQUI e não lá. Temos que olhar Guebuza e questionar a sua liderança; o que ele se propôs a fazer, o que fez, o que não fez, o que fez certo, o que fez errado etc., sem compará-lo com os de lá cujas realidades, contextos políticos, económicos e sociais são diversos.

São os 29 anos de poder que o Zé Du leva no poder que estão errados? Até que ponto? Acho que disse num dos emails que é importante, o povo se rever nas suas lideranças. Isso para mim diz muito.

Em política, entendo eu, a “oportunidade de errar” não se dá conquista-se. Isso implica que, os que não estão no poder, devem, dentro do espaço que se lhes abre, trabalhar para conquista essa “oportunidade de errar”. Vamos condenar a FRELIMO se permanecer mais 15 anos no poder no actual contexto? É só um exemplo.

E há que analisar contextos Mapengo, sob o risco de partirmos para generalizações difícies de sustentar. Só Angola como exemplo: O que aconteceu quando se deu espaço para que outros, através de eleições tentassem conquistar a a “oportunidade de errar” em 1992? E depois disso? Podemos comparar Angola a Moçambique quando a possibilidade de espaços (eleições) para que outros tentem segurar a a “oportunidade de errar”?

Repito, temos que estudar e estruturar modelos próprios, que nos sirvam. Criticar as nossas lideranças dentro do seu contexto próprio e das condições em que estas se efectivam, sob o risco de os diabolizarmos e minarmos a nossa confiança para com elas.

O que defendo é que, na crítica que fizermos aos nossos líderes estes tem que servir não servir em função dos seus actos bons ou maus. Os de lá que só ficam 4/8 anos são julgados LÁ dessa mesma forma...

A Democracia tal e qual nos foi exportada, está a falhar em muitas coisas. A democracia não implica só o acto de votar; envolve consciências, conhecimento, participação CIDADANIA (fundamental). Temos estes ingredientes todos? Ou de tempos em tempos pedimos dinheiro a quem nos impos o modelo para fingir que o aplicamos?

É que podemos estar a discutir o acessório: Democracia que se calhar não temos.Ao invés poderiamos estar a procurar modelos governativos viáveis para os nossos contextos (livre me Deus do triunvirato proposto por Sibindy).

É isto Mapengo. Ainda bem que reagiste aqui. Acho que a sua resposta tem muitos pontos problemáticos. Voltarei a eles com tempo.

Patricio Langa disse...

Caro Politicando (?)
Conheço o teu espaço ‘blogosférico’ e tenho tido gosto de vez enquando passar por aqui. Acho-o interessante! Este ano as visitas foram poucas, ainda bem que justificaste por mim. Andavas ausente. Hoje cheguei aqui pela mão do Julio Mutisse. Esse que gosta de nos meter em enrascadas, como a da festa da ximbi. Enfim, obrigado pela referência que fazes ao texto que publiquei, hoje no b’andlha. Ainda bem que está cumprir o seu destino. Fazer-nos debater. Agora, cá entre nós, a tua questão do tipo: ‘haverá ou não’ ..., é meio chantagista. Obriga-nos a tomar posição. Enquanto malta como eu gosta de ficar em cima do murro. Há algum tempo atrás, na nossa esfera pública dominada pela visão ‘negativista’ a resposta a essa questão, do jeito que a colocas, seria simples. Dependendo do lado para o qual nos inclinámos normativamente diriamos se ‘há ou não há’. No entanto, para minha felicidade a realidade é ainda mais complexa. Pode haver assim como pode não haver algo de errado. Para apimentar a coisa deixe-me dizer assim: O que há de errado em áfrica são os olhares que se lançam sobre ela, principalmente os normativos! Alguns querem corrigir a realidade com as suas pseudo-teórias ao invés de corrigir as teórias com a realidade. Hiiii, estou a ser um Rortiano sem me aperceber! Richard Rorty, grande filósofo americano da ciência, que infezlimente morreu em julho de 2007, dizia que a realidade nunca está errada, pelo contrário, o nosso conhecimento dela é que pode estar equivocado! Bom, acho que Rorty não conhecia África! He,he,he!
Abraço

Matsinhe disse...

Meus caros, obrigado por passarem por cá e pelos vossos comentários.

O G7 procura uma nova ordem económica mundial. Mais uma vez, virão nos dizer o que fazer e de que modo. Nós, africanos, deviamos procurar uma nova ordem política, económica e social adequada a nossa realidade.

Concordo com o Patrício, a colocação da pergunta que dá mote a este debate não deixa ninguém em cima do murro. É mesmo essa a pretensão, que ninguém fique em cima do murro, que se posicione conscientemente sobre os problemas que nos afligem enquanto africanos.

Há muita coisa errada em África como existe em todo o lado. Mas é importante que sejamos nós africanos a diagnosticar esses erros e a perspectivar as soluções.

Do email 1, que tem Angola e JosÉ E. dos Santos como exemplo, questionam-se os anos que ele leva de poder, em comparação com os dos presidentes americanos e conclui-se que há algo de errado. Será, até que ponto? Parafreseando o Júlio, as soluções governativas dos EUA e o seu modelo democrático são os ideiais para nós?

Já realmente pensamos, como moçambicanos e pelas nossas próprias cabeças, o que é que está errado na nossa nação? Já pensamos, como moçambicanos e pelas nossas próprias cabeças, que soluções devemos dar aos problemas?

Me parece que não. E para mim faltam muitas coisas, políticas claras e exequiveis, projectos realísticos, serviços públicos em quantidade e qualidade...