Dignidade Acima de Tudo
Gonçalves Matsinhe*
Pensei em escrever uma carta à Dra. Maria Helena Taipo mas, logo, desisti da ideia. Tive receio que tanto elogio junto, principalmente em público, soasse a bajulação. E ela não precisa ser bajulada. Muito menos chantageada; mesmo que o agente chantageador seja o encarregado de negócios da Embaixada do país mais rico do mundo.
É bom que se diga e se enalteçam as boas acções. É bom que se enalteça a coragem de mandar dar uma curva aos amigos quando se comportam mal e pensam que podem nos jogar à cara a nossa pobreza, nos obrigando a violar a lei.
Cheguei até a considerar a hipótese de nem se quer me pronunciar sobre este assunto. A minha consciência de cidadão não me permitiu. Tenho para mim que ser pobre não é defeito; que ser pobres não nos torna indignos e/ou não merecedores de respeito por parte de quem, pretensamente, nos pretende ajudar.
A ajuda sincera não se compadece com intimidações. Precisamos de ajuda? É claro que sim. Em muitas áreas como é o caso da saúde e, especificamente, no tocante ao HIV/SIDA, acredito que somos deficitários em recursos financeiros e até humanos mas, tal escassez, tal necessidade, não é motivo para que nos queiram perfilados na praça pública a exibir as partes íntimas (gozar connosco como sugere o editorial do notícias da sexta-feira dia 22 de Maio), como parece sugerir, o digníssimo encarregado de negócios americano em Moçambique quando sugere que dobremos as leis e as metamos na lata de lixo em troca de uns quantos dólares e médicos de que, na verdade, precisamos.
É verdade que não é pelo número de vozes que se levantem para dizer ao Sr. Tod Chapman, que Moçambique é um Estado soberano (presumo até que ele saiba) que, tal como no país do sonhador Martin Luther King e do crente Barack Obama, tem suas leis e estas devem ser cumpridas, que ele (Sr. Tod Chapman) e os seus patrícios manterão ou deixarão de manter a intenção de nos “ajudar” nas áreas por eles identificadas. O desiderato de “ajudar” ou não será cumprido como consequência de uma decisão ponderada dos Estados Unidos da América enquanto Estado soberano.
Os Estados Unidos da América têm suas leis e mecanismos próprios de as fazer cumprir. Dura Lex Sed Lex, já diziam os outros; por mais duras que sejam as leis anti-terrorismo nos EUA que obriguem uma primeira-dama de um país africano a descalçar-se no aeroporto, nunca, apareceriam coros de protesto contra tal prática por, responsavelmente, termos noção que é de lei que aquele país soberano aprovou para se defender dos maníacos que o querem atacar. Por causa desse temor fizeram passar leis anti-terrorismo que obrigam a procedimentos específicos para quem os visita, incluindo primeiras-damas.
Nós também temos leis. Na nossa pobreza soubemos e sabemos aprovar leis que regulam diversos campos de actividade no país. Aprovamos leis que nos permitem saber quem são os estrangeiros que entram no país, a que vieram, o que fazem e onde e para quem trabalham. Temos igualmente leis que determinam o perfil de pessoas que devem trabalhar em determinadas áreas e as condições para que, legalmente, possam exercer essas actividades e determinam as condições de “certificação”.
Porque será que os americanos não querem ter a sensibilidade com as nossas leis? Porque cargas de água assumem eles que as leis que regem a contratação de estrangeiros, bem como aquelas sobre os requisitos básicos para determinadas actividades (como a médica por exemplo) não devem ser cumpridas?
Os procedimentos para a contratação de mão-de-obra estrangeira são claros. Qualquer instituição bem intencionada cumpre-os. Os agentes do Estado tem responsabilidade para com os moçambicanos e não só. Não se devem permitir passar por cima de leis e procedimentos que podem, inclusive, dar azo que nos apareçam sapateiros, mecânicos, espiões e mais como médicos e/ou nutricionistas, pondo, dessa forma, em risco a vida de muitos de nós.
A actual lei do trabalho beneficiou em muito do apoio americano. Não nos esqueçamos que na época da sua concepção, um dos parceiros sociais – a CTA – tinha como principal financiador a USAID e batia-se por uma lei mais liberal e potenciador do investimento.
Mas porque a lei do trabalho surgiu da concertação de três partes e não da imposição de qualquer delas, o resultado final pode não ter agradado, não só a CTA (e por arrastamento, os seus principais financiadores a USAID, uma agência do Governo americano), mas qualquer dos outros parceiros. Aliás, foi sempre notório o desconforto dos empregadores e de algumas pessoas ligadas a agências internacionais quanto ao produto final consubstanciado na actual Lei do Trabalho.
Deste modo, os pronunciamentos do Sr. Tod Chapman, para além de consubstanciarem chantagem e uma ingerência grosseira nos assuntos internos em violação de convenções sobre a matéria, podem ser enquadrados numa estratégia para dinamitar a lei do trabalho que, depois de muito investimento americano através da CTA, não saiu como estes pretendiam.
Mas, como diz o editorial do “Notícias” já referido acima, “há lobby para fazer mudanças” e seria legítimo que este fosse desencadeado mesmo com apoio americano. O que não é legítimo é ameaçarem nos como o fazem, tentando escapara à dureza da lei que não é só para os americanos mas é para todos os que, de alguma forma, pretendam contratar e introduzir no espaço interno qualquer cidadão estrangeiro para trabalhar.
Graças a Deus a Dra. Maria Helena Taipo não tem que engolir determinados sapos principalmente quando tais sapos são servidos no sentido de abrir excepções que se constituiriam em precedente mau para o país. Amanhã seriam os chineses e os cubanos a quererem nos “oferecer” milhares de médicos e dólares que poderiam, igual e legitimamente, pretender beneficiar do tratamento já dado a outros obrigando-nos, mais uma vez, a baixar as calças.
Graças a Deus, os moçambicanos percebem que a Dra. Maria Helena Taipo não nos está a castigar exigindo que a lei seja cumprida. Está até a proteger-nos. Está a ser responsável e até avisada no tratamento destas questões com aquele interlocutor. Não nos esqueçamos que o Governo americano emite regularmente relatórios acusando os nossos países, inclusive, de ilegalidades como as que, aparentemente, estão a tentar sugerir à Ministra do Trabalho.
Temos que concordar com quem disse que a flexibilização que se pretendia com a reforma da lei do trabalho que culminou com a aprovação da lei actualmente em vigor, não devia implicar, a ausência do Estado na regulação do trabalho. A situação que aqui se aborda é um dos exemplos, de entre vários, dos domínios em que o Estado tem que ser vigilante e actuante, em defesa da nossa soberania e dos nossos interesses enquanto nação.
Concordamos igualmente que a regulação e a presença do Estado nos termos afirmados acima, deve ser ajustada às realidades concretas. É um facto que temos escassez de médicos e, perante esta realidade concreta, o Estado deve, através das instituições apropriadas, criar condições para que os médicos, sublinhe-se médicos, devidamente certificados e acreditados exerçam a sua actividade em Moçambique. É isto que me parece que a Dra. Maria Helena Taipo está a exigir. Está a dizer: venham mas mostrem ser verdadeiramente médicos e não qualquer outra coisa, e os americanos não querem. Querem um aval imediato para, mais tarde, virmos a saber que um qualquer fulano afinal não é médico de nada, era carpinteiro na Nicarágua e teve a hipótese de ganhar uns trocados como medico e cá veio.
A Embaixada dos Estados Unidos está preparada e, de certeza, dispõe de recursos, tanto humanos como financeiros, para atender à burocracia e aos custos gerados pela lei actual através da sua gigantesca estrutura técnico administrativa. Ademais, tratando-se de um sector tão sensível como a saúde, e a necessidade de ajudar os necessitados, a burocracia inerente ao processo e os seus custos não deviam, para os americanos, ser insuperáveis.
Somos pobres sim, mas somos dignos.
É bom que se diga e se enalteçam as boas acções. É bom que se enalteça a coragem de mandar dar uma curva aos amigos quando se comportam mal e pensam que podem nos jogar à cara a nossa pobreza, nos obrigando a violar a lei.
Cheguei até a considerar a hipótese de nem se quer me pronunciar sobre este assunto. A minha consciência de cidadão não me permitiu. Tenho para mim que ser pobre não é defeito; que ser pobres não nos torna indignos e/ou não merecedores de respeito por parte de quem, pretensamente, nos pretende ajudar.
A ajuda sincera não se compadece com intimidações. Precisamos de ajuda? É claro que sim. Em muitas áreas como é o caso da saúde e, especificamente, no tocante ao HIV/SIDA, acredito que somos deficitários em recursos financeiros e até humanos mas, tal escassez, tal necessidade, não é motivo para que nos queiram perfilados na praça pública a exibir as partes íntimas (gozar connosco como sugere o editorial do notícias da sexta-feira dia 22 de Maio), como parece sugerir, o digníssimo encarregado de negócios americano em Moçambique quando sugere que dobremos as leis e as metamos na lata de lixo em troca de uns quantos dólares e médicos de que, na verdade, precisamos.
É verdade que não é pelo número de vozes que se levantem para dizer ao Sr. Tod Chapman, que Moçambique é um Estado soberano (presumo até que ele saiba) que, tal como no país do sonhador Martin Luther King e do crente Barack Obama, tem suas leis e estas devem ser cumpridas, que ele (Sr. Tod Chapman) e os seus patrícios manterão ou deixarão de manter a intenção de nos “ajudar” nas áreas por eles identificadas. O desiderato de “ajudar” ou não será cumprido como consequência de uma decisão ponderada dos Estados Unidos da América enquanto Estado soberano.
Os Estados Unidos da América têm suas leis e mecanismos próprios de as fazer cumprir. Dura Lex Sed Lex, já diziam os outros; por mais duras que sejam as leis anti-terrorismo nos EUA que obriguem uma primeira-dama de um país africano a descalçar-se no aeroporto, nunca, apareceriam coros de protesto contra tal prática por, responsavelmente, termos noção que é de lei que aquele país soberano aprovou para se defender dos maníacos que o querem atacar. Por causa desse temor fizeram passar leis anti-terrorismo que obrigam a procedimentos específicos para quem os visita, incluindo primeiras-damas.
Nós também temos leis. Na nossa pobreza soubemos e sabemos aprovar leis que regulam diversos campos de actividade no país. Aprovamos leis que nos permitem saber quem são os estrangeiros que entram no país, a que vieram, o que fazem e onde e para quem trabalham. Temos igualmente leis que determinam o perfil de pessoas que devem trabalhar em determinadas áreas e as condições para que, legalmente, possam exercer essas actividades e determinam as condições de “certificação”.
Porque será que os americanos não querem ter a sensibilidade com as nossas leis? Porque cargas de água assumem eles que as leis que regem a contratação de estrangeiros, bem como aquelas sobre os requisitos básicos para determinadas actividades (como a médica por exemplo) não devem ser cumpridas?
Os procedimentos para a contratação de mão-de-obra estrangeira são claros. Qualquer instituição bem intencionada cumpre-os. Os agentes do Estado tem responsabilidade para com os moçambicanos e não só. Não se devem permitir passar por cima de leis e procedimentos que podem, inclusive, dar azo que nos apareçam sapateiros, mecânicos, espiões e mais como médicos e/ou nutricionistas, pondo, dessa forma, em risco a vida de muitos de nós.
A actual lei do trabalho beneficiou em muito do apoio americano. Não nos esqueçamos que na época da sua concepção, um dos parceiros sociais – a CTA – tinha como principal financiador a USAID e batia-se por uma lei mais liberal e potenciador do investimento.
Mas porque a lei do trabalho surgiu da concertação de três partes e não da imposição de qualquer delas, o resultado final pode não ter agradado, não só a CTA (e por arrastamento, os seus principais financiadores a USAID, uma agência do Governo americano), mas qualquer dos outros parceiros. Aliás, foi sempre notório o desconforto dos empregadores e de algumas pessoas ligadas a agências internacionais quanto ao produto final consubstanciado na actual Lei do Trabalho.
Deste modo, os pronunciamentos do Sr. Tod Chapman, para além de consubstanciarem chantagem e uma ingerência grosseira nos assuntos internos em violação de convenções sobre a matéria, podem ser enquadrados numa estratégia para dinamitar a lei do trabalho que, depois de muito investimento americano através da CTA, não saiu como estes pretendiam.
Mas, como diz o editorial do “Notícias” já referido acima, “há lobby para fazer mudanças” e seria legítimo que este fosse desencadeado mesmo com apoio americano. O que não é legítimo é ameaçarem nos como o fazem, tentando escapara à dureza da lei que não é só para os americanos mas é para todos os que, de alguma forma, pretendam contratar e introduzir no espaço interno qualquer cidadão estrangeiro para trabalhar.
Graças a Deus a Dra. Maria Helena Taipo não tem que engolir determinados sapos principalmente quando tais sapos são servidos no sentido de abrir excepções que se constituiriam em precedente mau para o país. Amanhã seriam os chineses e os cubanos a quererem nos “oferecer” milhares de médicos e dólares que poderiam, igual e legitimamente, pretender beneficiar do tratamento já dado a outros obrigando-nos, mais uma vez, a baixar as calças.
Graças a Deus, os moçambicanos percebem que a Dra. Maria Helena Taipo não nos está a castigar exigindo que a lei seja cumprida. Está até a proteger-nos. Está a ser responsável e até avisada no tratamento destas questões com aquele interlocutor. Não nos esqueçamos que o Governo americano emite regularmente relatórios acusando os nossos países, inclusive, de ilegalidades como as que, aparentemente, estão a tentar sugerir à Ministra do Trabalho.
Temos que concordar com quem disse que a flexibilização que se pretendia com a reforma da lei do trabalho que culminou com a aprovação da lei actualmente em vigor, não devia implicar, a ausência do Estado na regulação do trabalho. A situação que aqui se aborda é um dos exemplos, de entre vários, dos domínios em que o Estado tem que ser vigilante e actuante, em defesa da nossa soberania e dos nossos interesses enquanto nação.
Concordamos igualmente que a regulação e a presença do Estado nos termos afirmados acima, deve ser ajustada às realidades concretas. É um facto que temos escassez de médicos e, perante esta realidade concreta, o Estado deve, através das instituições apropriadas, criar condições para que os médicos, sublinhe-se médicos, devidamente certificados e acreditados exerçam a sua actividade em Moçambique. É isto que me parece que a Dra. Maria Helena Taipo está a exigir. Está a dizer: venham mas mostrem ser verdadeiramente médicos e não qualquer outra coisa, e os americanos não querem. Querem um aval imediato para, mais tarde, virmos a saber que um qualquer fulano afinal não é médico de nada, era carpinteiro na Nicarágua e teve a hipótese de ganhar uns trocados como medico e cá veio.
A Embaixada dos Estados Unidos está preparada e, de certeza, dispõe de recursos, tanto humanos como financeiros, para atender à burocracia e aos custos gerados pela lei actual através da sua gigantesca estrutura técnico administrativa. Ademais, tratando-se de um sector tão sensível como a saúde, e a necessidade de ajudar os necessitados, a burocracia inerente ao processo e os seus custos não deviam, para os americanos, ser insuperáveis.
Somos pobres sim, mas somos dignos.
* Publicado nas edições de 26-27/05/2009